quarta-feira, 2 de março de 2011

Meditação

Foto Hansel Adams

Era um silêncio tão ensurdecedor que a alma ficava muda. Sim, o rimbombo da ausência de decibéis fazia-a sentir cada relâmpago elétrico na caixa craniana.  As pequenas faíscas que a constituíam inteira. Não era nada além de raios ricocheteantes nesta calota frágil, abóbada feita de duas tábuas de cálcio e vontade.  Na ausência de todos os outros sons, sobrou o EU, como sempre, circulando pelas teias de memórias, glórias e inglórias, anseios mal vividos, lembranças sussurradas aos ouvidos de um tempo além, refém dos outros, do inferno, do céu, dos becos e guetos onde passa a turba tocando tuba desafinada a toda brida na sua mente incontida, enquanto ela apenas uma valquíria guerreira sem cavalo ou escudo. Seria tão bom desligar o mundo e ligar o ventilador, ausentar-se do zumbido dos mosquitos de barriga cheia de sangue. Enrijecer os tímpanos exangues, calcifica-los com pequenas placas de `NÃO PERTUBE´ simplesmente ausentar-se da sala, tornar-se invisível, inlembrável, indizível, um raio de luz no meio do meio-dia, ser apenas um ruido na multidão, uma face sem rosto, sem gosto, mosto, resto no fundo do copo, que se esquece em uma manhã de ressaca. Ser apenas um elétron escapando de alguma sefhiró transbordante resultante de algum erro divino. Não preocupar-se com as médias, com  rédeas, com  línguas, que minguam frente ao essencial e se esbaldam extasiadas frente ao irrelevante. Seria tão mais simples ser um compêndio de ideias entre duas capas na estante, apenas existindo aprisionada na lombada de algum livro antigo, esquecida de tudo e todos apenas visível ao olhar de algum leitor ancião e sedentário interessado em livros que vivem além dos tempos e dos ventos que movem o mundo.

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