terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Primata

Pobre primata...Achou que ganharia a vida num tapa, com um rabo de arraia faria todos fugirem da raia, que venceria na groceiria  Mas estava lutando com quem este primata com esta cara de lata pintada de falsa alegria? Estava lutando com a lua, o vento, o erro de julgamento e a solidão que entre o silêncio dos seus tambores e mau-humores não desaparecia. Pobre, pobre, primata, não soube ser amado, pois para ele amor eram os líquidos que jorravam entre as fricções e aflições  das carnes que se metia. Pobre, pobre, pobre, primata e sua cara de lata, com um sorriso amarelo esculpido a martelo, fingia. Que amava e era amado, enquanto embalado pela solidão sobrevivia. Rezo por este pobre primata, que ainda haja tempo para ser salvo pela tão tolerante poesia.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quanto vale o tempo?


Eu tenho um filho, o Pedro, uma figura. Me lembrei de uma história dele hoje, depois que falei com um colega sobre escolhas que fazemos. Tem horas na vida que a gente tem que escolher algumas coisa em detrimento de outras, que não adianta se matar trabalhando para um dia pagar a faculdade dos filhos se o ensino fundamental passa batido pois não temos tempo para estar com eles, que quando conseguimos, enfim, ter tudo que queremos no âmbito material o tempo passou, os filhos estão longe, correndo atrás das próprias quimeras. Aí choramos a solidão.
Então lembrei-me que certa feita estava saindo para fazer um plantão à noite e ele, o Pedro, pediu-me para ficar. Expliquei com toda a calma a mesma história. "Mamãe tem que sair para trabalhar para trazer dinheiro para casa, para poder comprar comidinha, brinquedos, roupinhas, etc..". O Pedro saiu mais que ligeiro da sala e disse: "Espela". Voltou ele com um cofrinho que havíamos comprado em Caruaru no melhor estilo do Mestre Vitalino onde guardava as moedinhas que só podiam ser tiradasr se o quebrassem. Ele adorava o burrinho-cofre dele. Fazia planos sobre os brinquedos que ia comprar com o dinheiro, andava chacolejando-o pela casa. Para minha surpresa, ao chegar à sala, ele esticas os bracinhos e diz: "Mamãe, pode "quebar" que te dou tudo, aí tu não "pecisa" sair". Tive uma brutal enxaqueca, não pude fazer o plantão...

Tem horas que a gente tem que entender o valor verdadeiro das coisas, que o tempo tem preço variável, que não podemos sacrificar uma etapa em prol de outra. Não sou a melhor mãe do mundo e não creio que ela exista, sou a mãe possível, a melhor mãe possível que meus filhos podem ter. Erro, perco a paciência, me esqueço de coisas que não deveria, mas uma coisa ao longo do tempo percebi: Não se vive amanhã o que se tem que viver hoje. Amanhã todos nós somos um dia diferentes, quantos mais dias, mais diferentes somos. O filho que tenho hoje, só terei ele hoje, daqui há um ano, é outro filho, outro tempo, outro mundo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sabe o que me intriga? Aquele frio na barriga de sentir-se desfilando no ar. Passeando por tantas janelas, olhando tantas telas, assoprando velas, insuflando assuntos, ressuscitando presuntos encontrando luzes, desatando cruzes, conhecendo credos. Furando paredes, comendo distâncias, sabendo-se de tantas instâncias, de alegrias, ilusões e medos. Tudo ali tão próximo, na ponta dos dedos...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Corpo


Corpo

Casca, casa
carruagem que passa
fruta
que a vida masca
e não escolhe.
Roupa que encolhe
até não mais cobrir a alma.
Iguaria que o tempo come
com sádica calma.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

Escolhas possíveis

Há muito escolhi meu lado
ele é branco.
Não pranto ou espanto ou rudeza.
Já escolhi o meu lado:
o oposto à tristeza.
Talvez não seja o lado mais populoso,
talvez o mais cabuloso
por ser transparente, ser clareza.
Talvez não seja o mais popular
sem neons a alumiar
sem placas de metal.
O lado contrário ao mal.
Tenho o bem como opção
o meu lado é esquerdo
o mesmo do coração.
Há muito escolhi meu lado
pouco visitado
lado ilhado
contrário ao do diabo.
O lado da luz
ali bem ao lado da escuridão.
Já escolhi meu lado
Longe, muito longe da multidão.

Matur idade

Matur idade, comod idade

Com o tempo...
Não acredito, nem duvido.
Ou será que devo ter escutado?
Ou talvez não ter ouvido?
Se ouvi, não devo ter entendido.
será que estive por lá?
(ou se estive devo ter esquecido).
Melhor não saber, esquecer,
fingir que não ver
se fazer de burro
não entender
que ver com agudeza
o mal que há em cada ser.

Amor


Domingo de chuva, um frio atípico num janeiro subtropical com a nebulosa cortina da neblina cobrindo os vales da serra. A manhã ainda dorme aqui no topo da terra.

-Bom dia!
-Grum, grinfo, grufin...huááááá...

(...)

Levanto e vou tratar os animais, que se encontram embolados sob um pequeno tablado de madeira. Não gosto de usar sapatos, mesmo no frio, o prazer do chão gelado, sentir a pele da grama se encolher e arrepiar ao toque dos meu pés vale o arrepio gélido que sobe pelos calcanhares, corre pela face dorsal das pernas e se espalha pelas costas. A manada de sete gatos se acorda e sonolenta, ao me ouvirem, correm para mim e se enrolam em meus pés roçando as pequenas colunas vertebrais em minhas panturrilhas, parece uma massagem. Seus corpinhos macios e peludos se alteram no carinho sincero esperando que se materialize em comida o ruído da ração sendo sacudida dentro do saco. Olho a cena e rio. Por trás de um loureiro imenso surge uma dama branca, leve, emplumada e elegante, não se mistura, esta alva Lady é distinta da manada, vem em minha direção, cheira a comida com olhares de desdén para logo após se enrolar demoradamente em minhas pernas para, só depois da manada se alimentar, comer dois ou três grãos de ração e sentar com a longa e emplumada cola branca à frente das patas e ficar me encarando. Até os animais tem extirpe, penso eu, porque os humanos não haveriam de ter? Ou será que só os animais tem extirpe e os humanos deveriam ter? Fico imersa nos meus pensamentos sobre a nobreza animal tão natural e a nobreza humana tão rara, enquanto meus pés vão gradativamente congelando imersos no colchão de grama necessitando ser aparada, sinto uma certa dormência nos pés e na alma. Está tão bom admirar a bicharada que me esqueço do mundo. Tão sinceros, na sua óbvia arte de agradar por comida, tão distintos na sua forma de expressar afeto, que nem sinto mais meus pés.

Ouço um barulho metálico vindo da cozinha seguido de um alarido de louças se chocando e gargalhando da inaptidão de quem as manuseia. Isso tira minha atenção da coleção de animais que habitam meu quintal e me faz olhar para a janela da cozinha.

Lá está ele. Sorrindo para algum pensamento. Algo curvado sobre o balcão, levanta os olhos e olha para a rua, me procurando. Eu não suporto mais o gelo do chão. Volto correndo para dentro de casa. Entro na cozinha, ele se vira.

-Já sei, gelou os pés...

Aceno com a cabeça, meio sem jeito por estar descalça ( coisa que ele reprova ) e gelada. A gata branca que estava me seguindo se enrola em meus pés como que para esconde-los ou aquece-los cobrindo minhas canelas com sua emplumada cauda branca. Ele olha para a gata, sorri e volta a fazer o que estava fazendo. Eu saio correndo em direção do quarto e me enfio embaixo das cobertas para aquecer os pés. Depois de uns poucos minutos ouço passos vindo em direção ao quarto, a porta se abre e um par de olhos amarelos são o abre alas do cortejo constituído por uma gata, um poeta alto e uma forma de pizza fantasiada de bandeja sustentando uma ala inteira de louças se requebrando em cima, café, suco, pão quentinho e requeijão. O que sempre como pela manhã.

-Sabia que ias estar aí aquecendo os pés. Quer café?

Se senta ao meu lado, sorri e me beija.

Isso é amor.

Maturidade

Já não mais chego dando abraços, também não fumo mais cigarros aos maços
nem ando pela noite aos tropeços. Com o tempo aprendi a avaliar melhor os preços.
Economizar a personalidade, multiplicar endereços, desconfiar da cumplicidade.
Desconsidero alegoria e adereços, foco no essencial, o objetivo, já não preciso de motivo ou desculpa, também devolvi toda a culpa, estava azeda...
Já não mais me despeço, meço com muito mais cuidado qualquer distância, principalmente a que me afasta da infância. Se me interesso? Bem menos. Apenas no que me diz respeito. Ainda tropeço, mas não caio, teimosa, ainda sonho com lugares amenos sem trovão ou raio, povoados de peitos abertos e abraços plenos.
Mas se não encontro, não me deprimo, suprimo o que não é luminoso, detenho-me no que pode ser prazeroso afinal esta estrada é breve e o caminho espinhoso. Não mais insisto com nada, porém não mais me dispo, deixando a alma exposta para qualquer olho desconhecido. Agora que já comi mil eras reconheço as feras nas peles de ovelhas, não atiro pedras pois também tenho telhas, muito embora sejam de barro, não de vidro. Carrego comigo apenas uma grande certeza: Viver é esculpir a própria imagem em um bloco de beleza.

Despertar

Com o tempo começou a não gostar de homem, de mulher, de velho, de criança, de qualquer gênero humano. Os homens e as mulheres pareciam em sua maioria materialistas, egoístas e superficiais. Os velhos lhe pareciam sempre muito carentes e prepotentes (as pessoas não ficam melhores por ficarem mais velhas, ficam apenas mais velhas, provavelmente um pouco piores). As crianças o irritavam, saltavam, faziam barulho, eram egoístas, sem paciência. Nada nem ninguém prestava. Até que um certo dia percebeu a pessoa no banheiro. Uma pessoa calada que lhe fitava todas as manhãs quando ia escovar os dentes, aquela pessoa no espelho era como tinha que ser, séria, calada, silenciosa, limpa, como as pessoas deveriam ser e não eram. Ele se acostumou com o ar cisudo, como o olhar com pouco brilho, pensava ele:" - Ele deve estar preocupado, tem cara de ser trabalhador..." falou ele com admiração ao senho franzido do homem que o encarava seriamente. Essa era a única pessoa que prestava. Até que um dia, como de costume, pela manhã foi encontrar com a pessoa silenciosa no banheiro, olhou seriamente como sempre fazia todas as manhãs, porém, quando abriu a torneira do lavatório para escovar os dentes foi surpreendido por um grande jato de água que estourou no teto e se esparramou por tudo, molhando todo o homem. Ele ficou furioso, bravo, irritado, iria se atrasar para o trabalho, estava todo molhado, sentiu a raiva invadindo seu corpo, nem sabia raiva de quem ou de o que, apenas raiva, por as coisas terem saído do lugar. Foi quando ele olhou para o espelho e viu que o homem sério do outro lado estava se matando de rir dele todo ensopado. Ria tão alto e tão gostoso que ele se contagiou. Começou a rir e sentiu o prazer da água fria refrescando a pele naquela manhã quente de verão. Foi naquele exato momento que ele se apaixonou pelo mundo.

Ilusão

Tentou matar a tristeza, mas a tristeza estava em tudo, na ausência da mãe, na distância do pai, na maldade da vizinha, da corrupção do político, na fome das pessoas, na violência das cidades, na poluição dos mares, na destruição da natureza. Não suportava mais todos os dias esta tristeza, tinha que tomar uma providência. Não ia mais criar expectativa com a mãe, nem tentar se aproximar do pai, nem conviver com a vizinha, nem votar nos políticos corruptos, nem ver mais ninguém, nem ligar a televisão para ver o jornal, nem olhar o mar e pensar que em breve estará todo poluído. Resolveu se refugiar sozinha na segurança de seu lar. Tomou todas as providências para matar a tristeza, apenas se esqueceu de uma coisa, a solidão também mata a alegria.

Os reis da Selva

Reza a lenda e eu não minto, vagava pela selva um camundongo faminto, medroso e fraco, pele e osso, um caco, só orelha e pescoço. O pobre vivia fugindo. Corria da cobra vindo, do gavião voando, do leão se espavoneando com a juba imensa, morria de medo dos olhos da águia tensa e queria ver distante a descomunal pata do elefante. Um belo dia se deparou com um velho Leão, já morto em decomposição. O rato deu um salto, alto, alto do chão, pulou na juba do rei Leão e naquele exato instante o rato sentiu-se o rei, na carniça era gigante!

O letrado

Dormira abraçado ao diploma. Enfim o conseguira! Sentia-se Nero em Roma, poderoso e incendiário. O rei, tocando fogo no cenário. Após anos e anos conspurcando papéis, mimetizando coronéis, desvalendo cordéis, (falsificando joias, forjando anéis, também é verdade). Anos a fio cuspindo máximas sobre qualidade com pompa e circunstância, porém nunca havia chegado àquela instância, a uni-versidade. Era a suprema conquista: o diploma de farsista, conquistado com louvor. Se antes era a incontestável auto promulgação, hoje tinha o atestado na mão junto com meia dúzia de palavras escarradas de forma desconexa em nota explicativa anexa atestando a autenticidade do conhecimento, enquadrado junto com a liminar que autoriza seus coices de jumento, para esfregar na cara da coletividade. Pena que na verdade era apenas um papel e ele? Um zangão querendo a todo custo produzir mel...

Quosque Tandem


Quosque Tandem

E tudo morre
e o que não morre é matado
e nada importa
"desde que não entre em minha porta"
e todo mundo suporta
acomodado.
Afinal este mundo é de Deus
ou do diabo?
É do eleito
ou do eleitorado?
Mundo, mundo, mundo
tão contemporâneo
tão contemporizado
vivo-o, embora às vezes me pareça
há muito já haver acabado...
2

Mau humor

Mau humor

Deve ser problema com a vagina...
Imagina!
Problema com vagina? Não!
Vagina não é problema,
Não é apenas via sem uso no crepúsculo, desilusão.
Muito menos mito ou só cavidade para maternidade
Ou motivo de soluço e comichão.
Vagina?
Para muitos é solução!

Da minha poltrona

Da minha poltrona

O ponto de conforto
evita o confronto
arrancando a fronte
o frontispício
lobotomia neste
mundo hospício
conveniado e particular.
O ponto de conforto
é este celeiro morto
onde estocam grãos
de mundo, floresta e mar
pequeno estoque
nesta muralha de
“não-me-toque”’
“Não-me-diz-respeito”
“E-daí-se-acabar?”
conforto frente à televisão
vendo o mundo se exterminar.