terça-feira, 24 de fevereiro de 2015


Eu tenho medo...
Sobretudo medo
de mais um engano ledo,
de ser envolvida
por algum miasma
de alguma substância química e fantasma.

Eu tenho medo...

De cada porta batida
de cada fragmento de vida
que me volta a memória.

Tenho medo da História!     
                                                                             
Tenho medo deste momento
de cada movimento lento
de cada objeto

Tenho medo!

Tenho medo de cada surreal conto abjeto 
de arroubos de afeto e pesadelos.

Tenho medo, tenho medo de tê-los!

Tenho medo de cada nome
que toque o telefone 
no meio da noite, insone…

tenho medo.

Tenho medo que caia o teto
que a casa caia
tenho medo que o espectro que vaia
o nosso passado com riso debochado
me pulverize com esta ruidosa risada jocosa...

Tenho medo

Tenho medo que,
de tanto medo do espinho,
eu me furte à imortal e exótica beleza da rosa,
tenho medo que por temer o amor
mate a poesia 

para viver eternamente em linear prosa…

terça-feira, 22 de abril de 2014

Agora Inês é morta




Agora a Inês é morta
é fechada a porta
não há mais luz no olhar
agora a Inês é morta
não haverá outra rainha ao lugar
E morta é Inês
não mais vida em sua tez
apenas sua textura ao ar
Inês, mesmo morta
acaba de se coroar
mas não adianta
Inês é morta
inexorável é o destino
a guisa do que se possa amar...

quarta-feira, 9 de abril de 2014

Soluço e solução







Já perdi a ingenuidade para crer em quimeras, hoje todas as coisas são meras coincidências, transitórias consciências da realidade, como as luzes da cidade que acendem-se e se apagam sem pedir licença, como as manchetes do jornal que nos fazem perder a crença. Perdeu-se a inocência neste turbilhão de duras verdades. Há apenas uma solução para quem se cansa desta cruel maturidade: voltar a ser criança e re-inventar a realidade.

Realidade

Foto Ana Laura Kosby praia Mira Torres SC




















É tão sutil a vontade
tão forte a necessidade
é nós reles viventes

Liberdade, luxo dos sobreviventes!

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Evolução, alegoria e adereços





























Não era avenida ou favela
apenas claustrofóbica cela
elétrico covil
vulnerável meio hostil
Proteção apenas de Maria
da pena, da Penha
e do Santo Clodovil
(ninguém sabe, era noite, ninguém viu!)
Fulgurou apenas por um instante
apenas a lembrança
do dia, do diamante
dos longínquos hinos,
dos pequenos pedregulhos
dos passados Diamantinos
carnaval de luzes
tirando máscaras
liquefazendo capuzes
com o poder da rima
fugaz como uma fantasia que brilha e termina
Gloriosa como Evandro de Castro e Lima...

sábado, 16 de novembro de 2013

Temperatura

queria uma vida cálida
porém
ávida  é a calidez
a vida tornou-se pálida
por incendiar-se
de uma só vez
sobrou
certeza plácida
tudo na vida
é um tórrido talvez.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

quarta-feira, 1 de maio de 2013


Já não tenho mais pulmão, portanto não me falta ar, porque lamentar o mar se foi-se o tempo de nadar além da arrebentação? Porque chorar por um homem se apenas esmaga-me a multidão? Bom mesmo é ser grão de areia, a solidez da comunhão na vaga idéia que o continente é uma teia, a certeza do prazer estático de estar cumprindo sua missão, fazendo parte do continente em inconsciente satisfação da pequenez, sendo na vida o propósito para o qual Deus o fez, sem nem sonhar que um de seus objetivos é simplesmente segurar o mar...


Pequena fábula

Foi estranho. Momento antes de ouvir o sino dos duendes, me ardia algo no estômago, devia ser a irritação da espera infundada misturada com o guizado de monstro que eu comera em pé mesmo, entre um instestino e outro. Tem horas que são estranhas, parecem silenciosas e calmas, mas escondem o burburinho de uma multidão em cada silencioso segundo onde a confusão espreita pelas dobras do tapete do qual foi varrida para baixo. Era um destes momentos assim. Eu disse:
- Mas que merda! Estou aqui parada faz mais de meia hora e não podemos chamar a Porca, onde está a Gazela? Porque não podemos fazer sem ela?
A Gazela era altiva, diva de confiança do grande burro, sem ela o espetáculo não podia acontecer. Foi neste exato momento que os dois duendes entraram.
- Não vamos mais extirpar cisticercos da Dona Porca, um veado foi baleado por alguém que limpava a arma, bala perdida, perdeu muito sangue e se retorce de dor.
- Subam-no, correndo, pois senão não há tempo -Falei automaticamente-Tiro de caçador em veado é algo que não se pensa muito, apenas se resolve.
- Mas Coruja, não podemos fazer nada sem a Gazela, ela fica brava, nos espreme embaixo dos cascos e nos excomunga com promessas de resolução de milhões de ascos em toda a floresta, nos manda esvaziar o urinol dos elefantes e dobrar todas as peles das cobras recém trocadas, depois de limpar os cascos dos burros com bicheira, disseram as duas gatas siamesas que já estavam exaustas só de pensar na função.
- Foda-se a Gazela, o veado não pode morrer e, além de desfilar com seus casquinhos lustrados e com as tabuinhas, que mais que ela faz? Quem vocês preferem enervar? Eu ou ela? Ou o Grande Mago?
As duas gatas se olharam sem muita alternativa e começaram a mover os tachos de unguentos para lá e para cá.
Nesse meio tempo um Orango-tango e duas Burras de carga entraram caverna a dentro com o pobre veado desfalecido.Eu olhei e pensei: Lascou!
Enquanto tentava desesperadamente passar um bambu pela traqueia do veado para insuflar o sopro da vida com o fole cheio de absinto em vapor, chega a gazela, saltitando em seus casquinhos bem afilados.
- Quem mandou este veado entrar aqui na caverna? Quem mandou? Como que ele está aqui sem a minha ordem? Gatas, vocês me pagam!!!
Olhou para as tabuinhas marcadas com seus afiados e lustrados casquinhos e disse. Está aqui! Duas marcas para o Zenit O grande Mestre Burro disse que não era para entrar nenhum animal sem a marca das patas nas tabuinhas além da hora do Zenit, como que eu faço agora? Como que ele vai marcar sua pata se está já estrebuchando? E se ele bater as patas antes de eu conseguir que alguém marque seu couro? Como que vai ser? Depois de morto não tem tatuagem!
Eu suava tentando achar aquele túnel de carne para enfiar o bambu e aquela quadrupede crocitando que nem uma papagaia que cheirou pólen de papoula me torrando a paciência.
Dona Gazela, faça, por favor, uma coisa útil, vai lá e chama os vaga-lumens, não estou enxergando nada.
Nisso olho para o pobre veadinho que da duas piscadas envia um olhar de súplica e a luz se apaga dos olhos.
- Parou! Grito para os duendes.
O maior se bota a golpe de faca e abre a lateral do peito do veado expondo o coração, apertando-o na mão vigorosamente o outro enfia a mão pelo buraco e se agarra na aorta do veadinho
- Hérnia diafragmática, o tiro perfurou o diafragma e o intestino ta comprimindo o coração. Acho que pegou o fígado também!
- Ele vai morrer e eu sem minhas marcas nas tabuinhas, como explicarei ao grande Burro Crata? Isso não poderia ter acontecido!
-Gazela, olha aqui, ele não morreu!-Rosnou entre os dentes o duende Um- Olha aqui, uma coisa mais bonita que as tuas plaquinhas, um coração batendo!
Neste momento já tinha conseguido enfiar a cânula de bambu goela a dentro e já borbulhava a panela com absinto fervendo. O coração batia forte na mão do Duende Um, enquanto Dois, com a adaga curva, abria um grande U na barriga do pobre animal que estava estirado com as patas para cima, tentando descobrir onde estava o sangramento. O empenho dos duendes era contagiante, nunca havia visto dois pequenos tão ágeis e sincronizados, os olhos brilhavam de felicidade com a possibilidade de manter o coração do serzinho desconhecido batendo. O tiro tinha perfurado o fígado e o sangue escorria por uma canaleta na mesa de pedra, era coletado em grandes tachos onde entravam por pequenos tubos de bambu que voltavam novamente para dentro do pobre e ferido animal.
A gazela ainda inconformada batia seus cascos para lá e para cá. E se ele morrer? O que gravarei no pergaminho?
- Gazela, vai lá e chama a Dona Crotalus, para que eu possa fazer com que o sangue não coagule.
- Agora não posso, tenho que anotar quanto de sangue saiu e quanto entrou...
Dois, irritado, chama ela novamente.
- Gazela, olha aqui, o coração batendo! Sem sangue ele para de bater aí tudo termina. Já havias visto? Não existe coisa mais bonita que a vida, olha como se mexe, como pulsa, é aqui que está a força motriz da vida-fala ele segurando com cuidado a frenética víscera que lutava desesperadamente para continuar bombeando vida por todo o corpo- É a partir daqui que tudo se move, este é o milagre do Grande Mago, o movimento que propulsiona o mundo, uma batida depois da outra, toda a vida por isso é preciosa, pois ela carrega a força do movimento.
- Não tenho tempo para estas besteiras, é só mais um veadinho baleado, tenho que escrever algo no pergaminho antes que o sangue acabe por coagular e ele morra, aí a posição das estrelas estará diferente do reflexo das marcas na tábua, o Grande Burro me trucidará, eu preciso escrever alguma coisa.
Um diz:
- Escreve aí Gazela, "Veado ferido por caçador, porém morto por uma gazela idiota a serviço do Burro Crata'' e vê se deixa a gente trabalhar!


Sublimação

Por vezes resta apenas esta euforia
poder mágico de modular passos por espaços além
imaginar teatros encenados ao inverso
como que se por dentro a retina refletisse
ao avesso, as histórias vivas de um projetor cósmico
Esta metamorfose de gente em gameta fertilizante
é esperança que palavras semeiem o ocorrido
agricultoras do solo fantástico de mim
Aves raras, migratórias,
que se debatem entre tábuas ósseas
rimbombando entre duras maters
protetoras cheias de líquido e isolamento
procurando a melhor direção do vento
para flanar na gravidade que puxa ao solo.
Por vezes apenas vale à pena
ser Deus de meus criados
filhos de meus olhos fechados
que nascem para o mundo
através de meus dedos.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Primata

Pobre primata...Achou que ganharia a vida num tapa, com um rabo de arraia faria todos fugirem da raia, que venceria na groceiria  Mas estava lutando com quem este primata com esta cara de lata pintada de falsa alegria? Estava lutando com a lua, o vento, o erro de julgamento e a solidão que entre o silêncio dos seus tambores e mau-humores não desaparecia. Pobre, pobre, primata, não soube ser amado, pois para ele amor eram os líquidos que jorravam entre as fricções e aflições  das carnes que se metia. Pobre, pobre, pobre, primata e sua cara de lata, com um sorriso amarelo esculpido a martelo, fingia. Que amava e era amado, enquanto embalado pela solidão sobrevivia. Rezo por este pobre primata, que ainda haja tempo para ser salvo pela tão tolerante poesia.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quanto vale o tempo?


Eu tenho um filho, o Pedro, uma figura. Me lembrei de uma história dele hoje, depois que falei com um colega sobre escolhas que fazemos. Tem horas na vida que a gente tem que escolher algumas coisa em detrimento de outras, que não adianta se matar trabalhando para um dia pagar a faculdade dos filhos se o ensino fundamental passa batido pois não temos tempo para estar com eles, que quando conseguimos, enfim, ter tudo que queremos no âmbito material o tempo passou, os filhos estão longe, correndo atrás das próprias quimeras. Aí choramos a solidão.
Então lembrei-me que certa feita estava saindo para fazer um plantão à noite e ele, o Pedro, pediu-me para ficar. Expliquei com toda a calma a mesma história. "Mamãe tem que sair para trabalhar para trazer dinheiro para casa, para poder comprar comidinha, brinquedos, roupinhas, etc..". O Pedro saiu mais que ligeiro da sala e disse: "Espela". Voltou ele com um cofrinho que havíamos comprado em Caruaru no melhor estilo do Mestre Vitalino onde guardava as moedinhas que só podiam ser tiradasr se o quebrassem. Ele adorava o burrinho-cofre dele. Fazia planos sobre os brinquedos que ia comprar com o dinheiro, andava chacolejando-o pela casa. Para minha surpresa, ao chegar à sala, ele esticas os bracinhos e diz: "Mamãe, pode "quebar" que te dou tudo, aí tu não "pecisa" sair". Tive uma brutal enxaqueca, não pude fazer o plantão...

Tem horas que a gente tem que entender o valor verdadeiro das coisas, que o tempo tem preço variável, que não podemos sacrificar uma etapa em prol de outra. Não sou a melhor mãe do mundo e não creio que ela exista, sou a mãe possível, a melhor mãe possível que meus filhos podem ter. Erro, perco a paciência, me esqueço de coisas que não deveria, mas uma coisa ao longo do tempo percebi: Não se vive amanhã o que se tem que viver hoje. Amanhã todos nós somos um dia diferentes, quantos mais dias, mais diferentes somos. O filho que tenho hoje, só terei ele hoje, daqui há um ano, é outro filho, outro tempo, outro mundo.