domingo, 10 de fevereiro de 2013

Amor


Domingo de chuva, um frio atípico num janeiro subtropical com a nebulosa cortina da neblina cobrindo os vales da serra. A manhã ainda dorme aqui no topo da terra.

-Bom dia!
-Grum, grinfo, grufin...huááááá...

(...)

Levanto e vou tratar os animais, que se encontram embolados sob um pequeno tablado de madeira. Não gosto de usar sapatos, mesmo no frio, o prazer do chão gelado, sentir a pele da grama se encolher e arrepiar ao toque dos meu pés vale o arrepio gélido que sobe pelos calcanhares, corre pela face dorsal das pernas e se espalha pelas costas. A manada de sete gatos se acorda e sonolenta, ao me ouvirem, correm para mim e se enrolam em meus pés roçando as pequenas colunas vertebrais em minhas panturrilhas, parece uma massagem. Seus corpinhos macios e peludos se alteram no carinho sincero esperando que se materialize em comida o ruído da ração sendo sacudida dentro do saco. Olho a cena e rio. Por trás de um loureiro imenso surge uma dama branca, leve, emplumada e elegante, não se mistura, esta alva Lady é distinta da manada, vem em minha direção, cheira a comida com olhares de desdén para logo após se enrolar demoradamente em minhas pernas para, só depois da manada se alimentar, comer dois ou três grãos de ração e sentar com a longa e emplumada cola branca à frente das patas e ficar me encarando. Até os animais tem extirpe, penso eu, porque os humanos não haveriam de ter? Ou será que só os animais tem extirpe e os humanos deveriam ter? Fico imersa nos meus pensamentos sobre a nobreza animal tão natural e a nobreza humana tão rara, enquanto meus pés vão gradativamente congelando imersos no colchão de grama necessitando ser aparada, sinto uma certa dormência nos pés e na alma. Está tão bom admirar a bicharada que me esqueço do mundo. Tão sinceros, na sua óbvia arte de agradar por comida, tão distintos na sua forma de expressar afeto, que nem sinto mais meus pés.

Ouço um barulho metálico vindo da cozinha seguido de um alarido de louças se chocando e gargalhando da inaptidão de quem as manuseia. Isso tira minha atenção da coleção de animais que habitam meu quintal e me faz olhar para a janela da cozinha.

Lá está ele. Sorrindo para algum pensamento. Algo curvado sobre o balcão, levanta os olhos e olha para a rua, me procurando. Eu não suporto mais o gelo do chão. Volto correndo para dentro de casa. Entro na cozinha, ele se vira.

-Já sei, gelou os pés...

Aceno com a cabeça, meio sem jeito por estar descalça ( coisa que ele reprova ) e gelada. A gata branca que estava me seguindo se enrola em meus pés como que para esconde-los ou aquece-los cobrindo minhas canelas com sua emplumada cauda branca. Ele olha para a gata, sorri e volta a fazer o que estava fazendo. Eu saio correndo em direção do quarto e me enfio embaixo das cobertas para aquecer os pés. Depois de uns poucos minutos ouço passos vindo em direção ao quarto, a porta se abre e um par de olhos amarelos são o abre alas do cortejo constituído por uma gata, um poeta alto e uma forma de pizza fantasiada de bandeja sustentando uma ala inteira de louças se requebrando em cima, café, suco, pão quentinho e requeijão. O que sempre como pela manhã.

-Sabia que ias estar aí aquecendo os pés. Quer café?

Se senta ao meu lado, sorri e me beija.

Isso é amor.

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