sábado, 16 de novembro de 2013

Temperatura

queria uma vida cálida
porém
ávida  é a calidez
a vida tornou-se pálida
por incendiar-se
de uma só vez
sobrou
certeza plácida
tudo na vida
é um tórrido talvez.

terça-feira, 1 de outubro de 2013

quarta-feira, 1 de maio de 2013


Já não tenho mais pulmão, portanto não me falta ar, porque lamentar o mar se foi-se o tempo de nadar além da arrebentação? Porque chorar por um homem se apenas esmaga-me a multidão? Bom mesmo é ser grão de areia, a solidez da comunhão na vaga idéia que o continente é uma teia, a certeza do prazer estático de estar cumprindo sua missão, fazendo parte do continente em inconsciente satisfação da pequenez, sendo na vida o propósito para o qual Deus o fez, sem nem sonhar que um de seus objetivos é simplesmente segurar o mar...


Pequena fábula

Foi estranho. Momento antes de ouvir o sino dos duendes, me ardia algo no estômago, devia ser a irritação da espera infundada misturada com o guizado de monstro que eu comera em pé mesmo, entre um instestino e outro. Tem horas que são estranhas, parecem silenciosas e calmas, mas escondem o burburinho de uma multidão em cada silencioso segundo onde a confusão espreita pelas dobras do tapete do qual foi varrida para baixo. Era um destes momentos assim. Eu disse:
- Mas que merda! Estou aqui parada faz mais de meia hora e não podemos chamar a Porca, onde está a Gazela? Porque não podemos fazer sem ela?
A Gazela era altiva, diva de confiança do grande burro, sem ela o espetáculo não podia acontecer. Foi neste exato momento que os dois duendes entraram.
- Não vamos mais extirpar cisticercos da Dona Porca, um veado foi baleado por alguém que limpava a arma, bala perdida, perdeu muito sangue e se retorce de dor.
- Subam-no, correndo, pois senão não há tempo -Falei automaticamente-Tiro de caçador em veado é algo que não se pensa muito, apenas se resolve.
- Mas Coruja, não podemos fazer nada sem a Gazela, ela fica brava, nos espreme embaixo dos cascos e nos excomunga com promessas de resolução de milhões de ascos em toda a floresta, nos manda esvaziar o urinol dos elefantes e dobrar todas as peles das cobras recém trocadas, depois de limpar os cascos dos burros com bicheira, disseram as duas gatas siamesas que já estavam exaustas só de pensar na função.
- Foda-se a Gazela, o veado não pode morrer e, além de desfilar com seus casquinhos lustrados e com as tabuinhas, que mais que ela faz? Quem vocês preferem enervar? Eu ou ela? Ou o Grande Mago?
As duas gatas se olharam sem muita alternativa e começaram a mover os tachos de unguentos para lá e para cá.
Nesse meio tempo um Orango-tango e duas Burras de carga entraram caverna a dentro com o pobre veado desfalecido.Eu olhei e pensei: Lascou!
Enquanto tentava desesperadamente passar um bambu pela traqueia do veado para insuflar o sopro da vida com o fole cheio de absinto em vapor, chega a gazela, saltitando em seus casquinhos bem afilados.
- Quem mandou este veado entrar aqui na caverna? Quem mandou? Como que ele está aqui sem a minha ordem? Gatas, vocês me pagam!!!
Olhou para as tabuinhas marcadas com seus afiados e lustrados casquinhos e disse. Está aqui! Duas marcas para o Zenit O grande Mestre Burro disse que não era para entrar nenhum animal sem a marca das patas nas tabuinhas além da hora do Zenit, como que eu faço agora? Como que ele vai marcar sua pata se está já estrebuchando? E se ele bater as patas antes de eu conseguir que alguém marque seu couro? Como que vai ser? Depois de morto não tem tatuagem!
Eu suava tentando achar aquele túnel de carne para enfiar o bambu e aquela quadrupede crocitando que nem uma papagaia que cheirou pólen de papoula me torrando a paciência.
Dona Gazela, faça, por favor, uma coisa útil, vai lá e chama os vaga-lumens, não estou enxergando nada.
Nisso olho para o pobre veadinho que da duas piscadas envia um olhar de súplica e a luz se apaga dos olhos.
- Parou! Grito para os duendes.
O maior se bota a golpe de faca e abre a lateral do peito do veado expondo o coração, apertando-o na mão vigorosamente o outro enfia a mão pelo buraco e se agarra na aorta do veadinho
- Hérnia diafragmática, o tiro perfurou o diafragma e o intestino ta comprimindo o coração. Acho que pegou o fígado também!
- Ele vai morrer e eu sem minhas marcas nas tabuinhas, como explicarei ao grande Burro Crata? Isso não poderia ter acontecido!
-Gazela, olha aqui, ele não morreu!-Rosnou entre os dentes o duende Um- Olha aqui, uma coisa mais bonita que as tuas plaquinhas, um coração batendo!
Neste momento já tinha conseguido enfiar a cânula de bambu goela a dentro e já borbulhava a panela com absinto fervendo. O coração batia forte na mão do Duende Um, enquanto Dois, com a adaga curva, abria um grande U na barriga do pobre animal que estava estirado com as patas para cima, tentando descobrir onde estava o sangramento. O empenho dos duendes era contagiante, nunca havia visto dois pequenos tão ágeis e sincronizados, os olhos brilhavam de felicidade com a possibilidade de manter o coração do serzinho desconhecido batendo. O tiro tinha perfurado o fígado e o sangue escorria por uma canaleta na mesa de pedra, era coletado em grandes tachos onde entravam por pequenos tubos de bambu que voltavam novamente para dentro do pobre e ferido animal.
A gazela ainda inconformada batia seus cascos para lá e para cá. E se ele morrer? O que gravarei no pergaminho?
- Gazela, vai lá e chama a Dona Crotalus, para que eu possa fazer com que o sangue não coagule.
- Agora não posso, tenho que anotar quanto de sangue saiu e quanto entrou...
Dois, irritado, chama ela novamente.
- Gazela, olha aqui, o coração batendo! Sem sangue ele para de bater aí tudo termina. Já havias visto? Não existe coisa mais bonita que a vida, olha como se mexe, como pulsa, é aqui que está a força motriz da vida-fala ele segurando com cuidado a frenética víscera que lutava desesperadamente para continuar bombeando vida por todo o corpo- É a partir daqui que tudo se move, este é o milagre do Grande Mago, o movimento que propulsiona o mundo, uma batida depois da outra, toda a vida por isso é preciosa, pois ela carrega a força do movimento.
- Não tenho tempo para estas besteiras, é só mais um veadinho baleado, tenho que escrever algo no pergaminho antes que o sangue acabe por coagular e ele morra, aí a posição das estrelas estará diferente do reflexo das marcas na tábua, o Grande Burro me trucidará, eu preciso escrever alguma coisa.
Um diz:
- Escreve aí Gazela, "Veado ferido por caçador, porém morto por uma gazela idiota a serviço do Burro Crata'' e vê se deixa a gente trabalhar!


Sublimação

Por vezes resta apenas esta euforia
poder mágico de modular passos por espaços além
imaginar teatros encenados ao inverso
como que se por dentro a retina refletisse
ao avesso, as histórias vivas de um projetor cósmico
Esta metamorfose de gente em gameta fertilizante
é esperança que palavras semeiem o ocorrido
agricultoras do solo fantástico de mim
Aves raras, migratórias,
que se debatem entre tábuas ósseas
rimbombando entre duras maters
protetoras cheias de líquido e isolamento
procurando a melhor direção do vento
para flanar na gravidade que puxa ao solo.
Por vezes apenas vale à pena
ser Deus de meus criados
filhos de meus olhos fechados
que nascem para o mundo
através de meus dedos.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Primata

Pobre primata...Achou que ganharia a vida num tapa, com um rabo de arraia faria todos fugirem da raia, que venceria na groceiria  Mas estava lutando com quem este primata com esta cara de lata pintada de falsa alegria? Estava lutando com a lua, o vento, o erro de julgamento e a solidão que entre o silêncio dos seus tambores e mau-humores não desaparecia. Pobre, pobre, primata, não soube ser amado, pois para ele amor eram os líquidos que jorravam entre as fricções e aflições  das carnes que se metia. Pobre, pobre, pobre, primata e sua cara de lata, com um sorriso amarelo esculpido a martelo, fingia. Que amava e era amado, enquanto embalado pela solidão sobrevivia. Rezo por este pobre primata, que ainda haja tempo para ser salvo pela tão tolerante poesia.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Quanto vale o tempo?


Eu tenho um filho, o Pedro, uma figura. Me lembrei de uma história dele hoje, depois que falei com um colega sobre escolhas que fazemos. Tem horas na vida que a gente tem que escolher algumas coisa em detrimento de outras, que não adianta se matar trabalhando para um dia pagar a faculdade dos filhos se o ensino fundamental passa batido pois não temos tempo para estar com eles, que quando conseguimos, enfim, ter tudo que queremos no âmbito material o tempo passou, os filhos estão longe, correndo atrás das próprias quimeras. Aí choramos a solidão.
Então lembrei-me que certa feita estava saindo para fazer um plantão à noite e ele, o Pedro, pediu-me para ficar. Expliquei com toda a calma a mesma história. "Mamãe tem que sair para trabalhar para trazer dinheiro para casa, para poder comprar comidinha, brinquedos, roupinhas, etc..". O Pedro saiu mais que ligeiro da sala e disse: "Espela". Voltou ele com um cofrinho que havíamos comprado em Caruaru no melhor estilo do Mestre Vitalino onde guardava as moedinhas que só podiam ser tiradasr se o quebrassem. Ele adorava o burrinho-cofre dele. Fazia planos sobre os brinquedos que ia comprar com o dinheiro, andava chacolejando-o pela casa. Para minha surpresa, ao chegar à sala, ele esticas os bracinhos e diz: "Mamãe, pode "quebar" que te dou tudo, aí tu não "pecisa" sair". Tive uma brutal enxaqueca, não pude fazer o plantão...

Tem horas que a gente tem que entender o valor verdadeiro das coisas, que o tempo tem preço variável, que não podemos sacrificar uma etapa em prol de outra. Não sou a melhor mãe do mundo e não creio que ela exista, sou a mãe possível, a melhor mãe possível que meus filhos podem ter. Erro, perco a paciência, me esqueço de coisas que não deveria, mas uma coisa ao longo do tempo percebi: Não se vive amanhã o que se tem que viver hoje. Amanhã todos nós somos um dia diferentes, quantos mais dias, mais diferentes somos. O filho que tenho hoje, só terei ele hoje, daqui há um ano, é outro filho, outro tempo, outro mundo.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Sabe o que me intriga? Aquele frio na barriga de sentir-se desfilando no ar. Passeando por tantas janelas, olhando tantas telas, assoprando velas, insuflando assuntos, ressuscitando presuntos encontrando luzes, desatando cruzes, conhecendo credos. Furando paredes, comendo distâncias, sabendo-se de tantas instâncias, de alegrias, ilusões e medos. Tudo ali tão próximo, na ponta dos dedos...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Corpo


Corpo

Casca, casa
carruagem que passa
fruta
que a vida masca
e não escolhe.
Roupa que encolhe
até não mais cobrir a alma.
Iguaria que o tempo come
com sádica calma.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

Escolhas possíveis

Há muito escolhi meu lado
ele é branco.
Não pranto ou espanto ou rudeza.
Já escolhi o meu lado:
o oposto à tristeza.
Talvez não seja o lado mais populoso,
talvez o mais cabuloso
por ser transparente, ser clareza.
Talvez não seja o mais popular
sem neons a alumiar
sem placas de metal.
O lado contrário ao mal.
Tenho o bem como opção
o meu lado é esquerdo
o mesmo do coração.
Há muito escolhi meu lado
pouco visitado
lado ilhado
contrário ao do diabo.
O lado da luz
ali bem ao lado da escuridão.
Já escolhi meu lado
Longe, muito longe da multidão.

Matur idade

Matur idade, comod idade

Com o tempo...
Não acredito, nem duvido.
Ou será que devo ter escutado?
Ou talvez não ter ouvido?
Se ouvi, não devo ter entendido.
será que estive por lá?
(ou se estive devo ter esquecido).
Melhor não saber, esquecer,
fingir que não ver
se fazer de burro
não entender
que ver com agudeza
o mal que há em cada ser.

Amor


Domingo de chuva, um frio atípico num janeiro subtropical com a nebulosa cortina da neblina cobrindo os vales da serra. A manhã ainda dorme aqui no topo da terra.

-Bom dia!
-Grum, grinfo, grufin...huááááá...

(...)

Levanto e vou tratar os animais, que se encontram embolados sob um pequeno tablado de madeira. Não gosto de usar sapatos, mesmo no frio, o prazer do chão gelado, sentir a pele da grama se encolher e arrepiar ao toque dos meu pés vale o arrepio gélido que sobe pelos calcanhares, corre pela face dorsal das pernas e se espalha pelas costas. A manada de sete gatos se acorda e sonolenta, ao me ouvirem, correm para mim e se enrolam em meus pés roçando as pequenas colunas vertebrais em minhas panturrilhas, parece uma massagem. Seus corpinhos macios e peludos se alteram no carinho sincero esperando que se materialize em comida o ruído da ração sendo sacudida dentro do saco. Olho a cena e rio. Por trás de um loureiro imenso surge uma dama branca, leve, emplumada e elegante, não se mistura, esta alva Lady é distinta da manada, vem em minha direção, cheira a comida com olhares de desdén para logo após se enrolar demoradamente em minhas pernas para, só depois da manada se alimentar, comer dois ou três grãos de ração e sentar com a longa e emplumada cola branca à frente das patas e ficar me encarando. Até os animais tem extirpe, penso eu, porque os humanos não haveriam de ter? Ou será que só os animais tem extirpe e os humanos deveriam ter? Fico imersa nos meus pensamentos sobre a nobreza animal tão natural e a nobreza humana tão rara, enquanto meus pés vão gradativamente congelando imersos no colchão de grama necessitando ser aparada, sinto uma certa dormência nos pés e na alma. Está tão bom admirar a bicharada que me esqueço do mundo. Tão sinceros, na sua óbvia arte de agradar por comida, tão distintos na sua forma de expressar afeto, que nem sinto mais meus pés.

Ouço um barulho metálico vindo da cozinha seguido de um alarido de louças se chocando e gargalhando da inaptidão de quem as manuseia. Isso tira minha atenção da coleção de animais que habitam meu quintal e me faz olhar para a janela da cozinha.

Lá está ele. Sorrindo para algum pensamento. Algo curvado sobre o balcão, levanta os olhos e olha para a rua, me procurando. Eu não suporto mais o gelo do chão. Volto correndo para dentro de casa. Entro na cozinha, ele se vira.

-Já sei, gelou os pés...

Aceno com a cabeça, meio sem jeito por estar descalça ( coisa que ele reprova ) e gelada. A gata branca que estava me seguindo se enrola em meus pés como que para esconde-los ou aquece-los cobrindo minhas canelas com sua emplumada cauda branca. Ele olha para a gata, sorri e volta a fazer o que estava fazendo. Eu saio correndo em direção do quarto e me enfio embaixo das cobertas para aquecer os pés. Depois de uns poucos minutos ouço passos vindo em direção ao quarto, a porta se abre e um par de olhos amarelos são o abre alas do cortejo constituído por uma gata, um poeta alto e uma forma de pizza fantasiada de bandeja sustentando uma ala inteira de louças se requebrando em cima, café, suco, pão quentinho e requeijão. O que sempre como pela manhã.

-Sabia que ias estar aí aquecendo os pés. Quer café?

Se senta ao meu lado, sorri e me beija.

Isso é amor.

Maturidade

Já não mais chego dando abraços, também não fumo mais cigarros aos maços
nem ando pela noite aos tropeços. Com o tempo aprendi a avaliar melhor os preços.
Economizar a personalidade, multiplicar endereços, desconfiar da cumplicidade.
Desconsidero alegoria e adereços, foco no essencial, o objetivo, já não preciso de motivo ou desculpa, também devolvi toda a culpa, estava azeda...
Já não mais me despeço, meço com muito mais cuidado qualquer distância, principalmente a que me afasta da infância. Se me interesso? Bem menos. Apenas no que me diz respeito. Ainda tropeço, mas não caio, teimosa, ainda sonho com lugares amenos sem trovão ou raio, povoados de peitos abertos e abraços plenos.
Mas se não encontro, não me deprimo, suprimo o que não é luminoso, detenho-me no que pode ser prazeroso afinal esta estrada é breve e o caminho espinhoso. Não mais insisto com nada, porém não mais me dispo, deixando a alma exposta para qualquer olho desconhecido. Agora que já comi mil eras reconheço as feras nas peles de ovelhas, não atiro pedras pois também tenho telhas, muito embora sejam de barro, não de vidro. Carrego comigo apenas uma grande certeza: Viver é esculpir a própria imagem em um bloco de beleza.

Despertar

Com o tempo começou a não gostar de homem, de mulher, de velho, de criança, de qualquer gênero humano. Os homens e as mulheres pareciam em sua maioria materialistas, egoístas e superficiais. Os velhos lhe pareciam sempre muito carentes e prepotentes (as pessoas não ficam melhores por ficarem mais velhas, ficam apenas mais velhas, provavelmente um pouco piores). As crianças o irritavam, saltavam, faziam barulho, eram egoístas, sem paciência. Nada nem ninguém prestava. Até que um certo dia percebeu a pessoa no banheiro. Uma pessoa calada que lhe fitava todas as manhãs quando ia escovar os dentes, aquela pessoa no espelho era como tinha que ser, séria, calada, silenciosa, limpa, como as pessoas deveriam ser e não eram. Ele se acostumou com o ar cisudo, como o olhar com pouco brilho, pensava ele:" - Ele deve estar preocupado, tem cara de ser trabalhador..." falou ele com admiração ao senho franzido do homem que o encarava seriamente. Essa era a única pessoa que prestava. Até que um dia, como de costume, pela manhã foi encontrar com a pessoa silenciosa no banheiro, olhou seriamente como sempre fazia todas as manhãs, porém, quando abriu a torneira do lavatório para escovar os dentes foi surpreendido por um grande jato de água que estourou no teto e se esparramou por tudo, molhando todo o homem. Ele ficou furioso, bravo, irritado, iria se atrasar para o trabalho, estava todo molhado, sentiu a raiva invadindo seu corpo, nem sabia raiva de quem ou de o que, apenas raiva, por as coisas terem saído do lugar. Foi quando ele olhou para o espelho e viu que o homem sério do outro lado estava se matando de rir dele todo ensopado. Ria tão alto e tão gostoso que ele se contagiou. Começou a rir e sentiu o prazer da água fria refrescando a pele naquela manhã quente de verão. Foi naquele exato momento que ele se apaixonou pelo mundo.

Ilusão

Tentou matar a tristeza, mas a tristeza estava em tudo, na ausência da mãe, na distância do pai, na maldade da vizinha, da corrupção do político, na fome das pessoas, na violência das cidades, na poluição dos mares, na destruição da natureza. Não suportava mais todos os dias esta tristeza, tinha que tomar uma providência. Não ia mais criar expectativa com a mãe, nem tentar se aproximar do pai, nem conviver com a vizinha, nem votar nos políticos corruptos, nem ver mais ninguém, nem ligar a televisão para ver o jornal, nem olhar o mar e pensar que em breve estará todo poluído. Resolveu se refugiar sozinha na segurança de seu lar. Tomou todas as providências para matar a tristeza, apenas se esqueceu de uma coisa, a solidão também mata a alegria.

Os reis da Selva

Reza a lenda e eu não minto, vagava pela selva um camundongo faminto, medroso e fraco, pele e osso, um caco, só orelha e pescoço. O pobre vivia fugindo. Corria da cobra vindo, do gavião voando, do leão se espavoneando com a juba imensa, morria de medo dos olhos da águia tensa e queria ver distante a descomunal pata do elefante. Um belo dia se deparou com um velho Leão, já morto em decomposição. O rato deu um salto, alto, alto do chão, pulou na juba do rei Leão e naquele exato instante o rato sentiu-se o rei, na carniça era gigante!

O letrado

Dormira abraçado ao diploma. Enfim o conseguira! Sentia-se Nero em Roma, poderoso e incendiário. O rei, tocando fogo no cenário. Após anos e anos conspurcando papéis, mimetizando coronéis, desvalendo cordéis, (falsificando joias, forjando anéis, também é verdade). Anos a fio cuspindo máximas sobre qualidade com pompa e circunstância, porém nunca havia chegado àquela instância, a uni-versidade. Era a suprema conquista: o diploma de farsista, conquistado com louvor. Se antes era a incontestável auto promulgação, hoje tinha o atestado na mão junto com meia dúzia de palavras escarradas de forma desconexa em nota explicativa anexa atestando a autenticidade do conhecimento, enquadrado junto com a liminar que autoriza seus coices de jumento, para esfregar na cara da coletividade. Pena que na verdade era apenas um papel e ele? Um zangão querendo a todo custo produzir mel...

Quosque Tandem


Quosque Tandem

E tudo morre
e o que não morre é matado
e nada importa
"desde que não entre em minha porta"
e todo mundo suporta
acomodado.
Afinal este mundo é de Deus
ou do diabo?
É do eleito
ou do eleitorado?
Mundo, mundo, mundo
tão contemporâneo
tão contemporizado
vivo-o, embora às vezes me pareça
há muito já haver acabado...
2

Mau humor

Mau humor

Deve ser problema com a vagina...
Imagina!
Problema com vagina? Não!
Vagina não é problema,
Não é apenas via sem uso no crepúsculo, desilusão.
Muito menos mito ou só cavidade para maternidade
Ou motivo de soluço e comichão.
Vagina?
Para muitos é solução!

Da minha poltrona

Da minha poltrona

O ponto de conforto
evita o confronto
arrancando a fronte
o frontispício
lobotomia neste
mundo hospício
conveniado e particular.
O ponto de conforto
é este celeiro morto
onde estocam grãos
de mundo, floresta e mar
pequeno estoque
nesta muralha de
“não-me-toque”’
“Não-me-diz-respeito”
“E-daí-se-acabar?”
conforto frente à televisão
vendo o mundo se exterminar.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Maturidade


Já não mais chego dando abraços, também não fumo mais cigarros aos maços
nem ando pela noite aos tropeços. Com o tempo aprendi a avaliar melhor os preços. A valorizar o companheiro, esquecer o dinheiro, e dar uma banana para quem se engana e não me ama.
Economizar a personalidade, também comecei multiplicar endereços, subtrair a cumplicidade.
Desconsidero alegoria e adereços,
foco no essencial, o objetivo,  já não preciso de motivo ou desculpa, também devolvi toda a culpa, estava azeda.
Já não mais me despeço, meço com muito mais cuidado qualquer distância, principalmente a que me afasta da infância. Se me interesso? Bem menos. Apenas no que me diz respeito. Ainda tropeço, mas não caio, teimosa, ainda sonho com lugares amenos sem trovão ou raio, povoados de peitos abertos e abraços plenos.
Mas se não encontro, não me deprimo, suprimo o que não é luminoso, detenho-me no que pode ser prazeroso, afinal esta estrada é breve. Não mais insisto com nada, porém não mais desisto, muito menos me dispo, deixando a alma exposta para qualquer olho desconhecido. Agora que já comi mil eras reconheço as feras nas peles de ovelhas, não atiro pedras pois também tenho telhas, muito embora sejam de barro, não de vidro. Com tanta bagagem só carrego uma grande certeza: Viver é esculpir a própria imagem em um bloco de beleza.



quarta-feira, 2 de janeiro de 2013



Desfaço-me no tempo
memória perdida.
Troco minha veste de vida
me perco na manhã ensolarada.
Passado é grão de poeira
no sol do nada.